O povo procura alguém fora da política. Uma pessoa que não arraste para o poder um bando de sanguessugas que chupam o sangue da república. Alguém não comprometido com os porões de Brasília, onde, na calada da noite, são combinadas a distribuição de propinas e cargos relevantes. O contribuinte está cansado de acompanhar na mídia os inúmeros processos que sempre apontam suspeitos e terminam ou esquecidos em um escaninho qualquer do sistema, ou prescreve na justiça. Passa o tempo e não há julgamento. O principal suspeito tem mais de 70 anos e os prazos lhes são favoráveis. Só falta no futuro existir uma legislação que conceda prerrogativa de função e que o povo apelide de foro privilegiado. Uma coisa inconcebível, afinal não foi com esse propósito que se lutou pela volta à democracia, numa nova constituição promulgada e eleições diretas para todos os cargos. Talvez um outsider, como dizem os comentaristas políticos, seja a solução para dar um drible da vaca no sistema eleitoral inovado e eivado de brechas para os espertos.
Os pessimistas afirmam que os que anseiam por um outsider que não se lambuje na lâmina da politicalha é o mesmo que esperar Godot, o personagem de Samuel Becket. A lei aprovada no calor do fim do regime autoritário estabelece que ninguém pode se candidatar sem estar filiado a um partido político. É para consolidar a democracia, como na Grã Bretanha, dizem. Não há possibilidade de candidaturas independentes, como as que existem nas eleições da terra de um homem que definiu a democracia como o governo do povo, para o povo e pelo povo. O próprio Lincoln era filiado ao Partido Republicano, que também deu outros presidentes para os Estados Unidos. Portanto está montado o esquema: quem quiser se candidatar tem que beijar a mão do cacique político, um verdadeiro condottiere, que se intitula presidente da legenda. As listas de candidatos são edificadas de cima para baixo. Os de cima se elegem, os debaixo carregam votos para formar legenda que garantem mais cargos nas assembleias. São como a formigas operárias que trabalham para alimentar a rainha e a elite folgada do formigueiro. Não há saída.
Os olhos se voltam para o mundo empresarial. Um capitão de indústria, um líder de corporação, um CEO de uma empresa de comunicação, conhecido do grande público, que vota em personalidades e não em partidos ou programas de governo. Nada mal para a primeira eleição direta para a presidência da república e o segundo presidente civil do Brasil. A cúpula do recém formado Partido Municipalista Brasileiro convida o empresário e apresentador de televisão. Um candidato imbatível. Possui imensa popularidade. E ele aceita o convite. Silvio Santos, dono do Sistema Brasileiro de Televisão, não resiste ao canto das velhas sereias políticas. Lança sua candidatura, que logo ganha força, é alvo de conversas no transporte público, padarias, bares e outros locais onde o povo humilde se junta. Ele é o cara, poderia dizer alguém lá no futuro. Os caciques adversários se movimentam para impedir a chegada do outsider. O caminho é o meandro da justiça eleitoral, que não falha. O TSE alega que o partido é ilegal e não pode apresentar nenhum candidato. Naufraga o movimento por um não político logo depois que o barco eleitoral tinha deixado o porto. Recebe um torpedo bem no meio do casco lançado por um desconhecido de nome Eduardo Cunha.