Provavelmente a expressão reta final veio da aviação. O comandante do avião avisa à torre do aeroporto que está a caminho do pouso. Em política, tem outro significado. Retrata os momentos decisivos da disputa eleitoral, quando os dois candidatos favoritos lançam mão de todo o seu poderio, não só para conquistar os indecisos, mas também para manter os votos já conquistados. Na reta final, todo cuidado é pouco. É preciso demonstrar força e otimismo e se preparar com respostas padrão às perguntas repetitivas dos jornalistas. Para isso, há um verdadeiro exército de assessores de todos os matizes, não só para escarafunchar as preferências dos jornalistas e veículos para os quais trabalham, mas também quais são os questionamentos que podem fazer durante uma entrevista, geralmente tumultuada em meio a uma multidão de apoiadores. É necessário treino, muito treino, ainda que um dos candidatos tenha uma identificação maior com o eleitorado, fale a língua do povo e diga o que a multidão gostaria de ouvir. Contudo, nada disso é suficiente em uma eleição polarizada, em que, pelo menos para os mais mergulhados nos contornos da política, seja possível constatar quem está mais à esquerda ou mais à direita. É verdade que o povão ainda não se emociona com citações de filósofos e políticos conhecidos mais no mundo acadêmico ou nas rodinhas dos bares da moda, principalmente na capital do Brasil.
Os demais candidatos se esforçam para polarizar com um ou outro favorito. Caso consiga encaixar um ippon, bem dado, no oponente, a assessoria de imprensa se incumbe de o espalhar pelos jornais e rádios de todo o país à espera de que haja uma reação do agredido. Se houver, ponto para o agressor. Se não houver, reforça a bipolaridade entre os dois candidatos com maiores chances de chegar à presidência da República. O Brasil é uma jovem democracia, recém-saída de uma ditadura que durou 15 anos, e que não se esforçou em educar politicamente a população. Os oposicionistas ainda criticam o ditador que mandava pendurar o seu retrato não só nas salas dos órgãos públicos, como também nas salas de aula. Até mesmo na capa dos cadernos escolares pontificavam as mensagens do governo totalitário. Contudo, com a abertura política, uma nova Constituição, novos partidos, o quadro eleitoral se fortalece. Não se sabe exatamente o que cada partido nacional representa, nem quais são exatamente os planos de governo, caso seja vencedor. Mas isto é apenas um pequeno detalhe diante da estatura dos favoritos. Uma boa parte da população ainda vota no homem, no nome, no apelido, na maneira pela qual é mais conhecido, sem se importar com a sigla partidária. É verdade que a propaganda, principalmente eletrônica, usa do horário eleitoral obrigatório para apresentar seus jingles com nome e sobrenome do partido. É preciso se preparar para perder e fazer oposição no Congresso Nacional e isso só é possível com a eleição de uma forte bancada de deputados e senadores.
A polarização chega ao auge nas vésperas da eleição presidencial. Não pode haver erro. Em um quadro polarizado, com os ânimos exaltados e as preferências expostas, cometer um erro é fatal. Um ataque, uma notícia não confirmada, pode entornar o caldo, como diz o mais abalizado cronista político. Primeiro, uma discussão geral, que geralmente vira bate-boca, depois se apura se o fato é uma fake news ou não. Os dois candidatos estão de olho no estado de maior contingente eleitoral: São Paulo. Por isso eles programam fazer os comícios de encerramento da campanha nesse estado. O candidato que tem o apoio da esquerda é o ex-ditador Getúlio Vargas. É visto não mais como um admirador de Mussolini, mas engalanado de nacionalismo econômico, refratário aos investimentos estrangeiros e reticente a uma maior aproximação com os Estados Unidos, já envolvidos na Guerra Fria. Já a coligação da direita é liderada pela UDN – União Democrática Nacional – e tem como candidato o brigadeiro Eduardo Gomes. Os dois principais candidatos participaram ativamente da vida política do Brasil nas últimas décadas e conhecem bem os escaninhos do poder. Esta é a segunda vez que o brigadeiro é candidato. Em 1946, foi derrotado pelo general Dutra, que tinha o apoio do recém-derrubado ditador, Getúlio. A musiquinha do “bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar” é o hit da campanha do PTB. Mesmo na reta final, ninguém de bom senso aposta na vitória de um ou de outro. Mas há quem aposte. O jovem político paulista Hugo Borghi dá uma declaração aos jornais que abala a candidatura de Eduardo Gomes. Atribui a ele a declaração de que não precisa dos votos dos marmiteiros para ganhar a eleição. Ou seja, da massa de operários de São Paulo, que almoça marmitas que trazem de casa. O brigadeiro repudia, rebate, nega, acusa o adversário… Mas na reta final, quando o avião já está para tocar o trem de pouso na pista, nada mais pode impedir a aterrissagem. Seja o que o destino quiser.