A multidão se reúne na principal praça de Buenos Aires. O candidato recém-lançado à presidência da República é um político polêmico. Fez carreira militar e se envolveu em golpe de estado. O máximo que tem de experiência administrativa é ter ocupado cargos secundários no governo federal. As elites tradicionais, originadas do agrobusiness, não confiam em um outsider. Ele não tem partido e não fez carreira como deputado ou senador da República. Contudo, ele se envolve em disputas polêmicas e, graças aos meios de comunicação e ao apoio dos sindicatos, consegue carrear multidões para os seus comícios. Tem um projeto de mudança no perfil do país com investimentos na indústria, é um programa de aproximação dos trabalhadores com o governo. Tem um perfil conservador, é contra o que considera uma infiltração comunista nas relações de trabalho da Argentina e, para isso, é preciso instrumentalizar os sindicatos. Tem o apoio dos militares e tudo leva a crer que vai ser eleito para a presidência, ainda que a disputa com o seu rival seja muito dura.
A economia mundial nem sempre ajuda a economia argentina. O país tem a sua principal renda em dólares provenientes das exportações de produtos primários, as commodities. Isso proporciona um desenvolvimento social, cultural e político único no continente sul-americano. A Argentina passa de país pobre e atrasado para um dos de mais alta renda. Uma exceção na América Latina. Tudo vai bem até a grande crise do capitalismo na primeira metade do século 20. A principal manifestação é a quebra da Bolsa de Valores de Nova York e o impacto nas economias dependentes. Uma delas é a Argentina. Ela passa a viver uma crise econômica que envolve inflação, juros exorbitantes, altos níveis de pobreza, forte desvalorização cambial e falta de reservas em dólares. É um sobe-e-desce econômico em que momentos de crescimento são intercalados por novas crises. Para isso é preciso, segundo o candidato, uma forte distribuição de renda e participação do Estado nas atividades econômicas. Estatização da economia alegra tanto a extrema esquerda como a extrema direita.
O final da Segunda Guerra mundial tem um efeito positivo na economia Argentina. As vendas externas contribuíram para saldos favoráveis em dólares, em 1946. O candidato promete investi-los no desenvolvimento econômico e social. Sua popularidade é grande, conseguida no governo que termina. Sua mulher se torna um símbolo de ascensão feminina. Eva Duarte, agora Eva Perón, é um cabo eleitoral poderoso para Juan Domingo Perón. Ela ajuda a pavimentar o caminho para a Casa Rosada, comparecendo aos comícios e assumindo a figura de “mãe” dos descamisados. Perón é eleito presidente com uma margem de 53% dos votos ao derrotar José Tamborini. Inspirado nas ideias centralizadoras vindas de Europa, Perón institui um governo centralizado e organizado com o enfraquecimento das províncias argentinas. Sua doutrina política fica conhecida como “justicialismo”, apoiada por um partido forte. O peronismo muda a cara da Argentina. Perón, cuja origem pública foi um golpe de estado, é derrubado por um em 1955.
*Heródoto Barbeiro é jornalista da R7 e Nova Brasil às 7h30min (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo. Apresentou o Roda Viva da TV Cultura e o Jornal da CBN. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Acompanhe-o por seu canal no YouTube “Por dentro da Máquina”, clicando no link https://www.youtube.com/channel/UCAhPaippPycI3E1ZRdLc4sg