A mídia é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. Sem vista mal se vive. Vida sem vista, é vida no escuro, vida na solidão, vida no medo, morte em vida; o receio de tudo; dependência de todos; rumo à mercê do acaso; a cada passo acidentes, perigos, despenhadeiros. Tal a condição do pais, onde a transparência se avariou, e, em vez de ser olhada, por onde se lhe exerce a visão, ou o cristal, que lhe clareia, é a obscuridade, onde se perde, a ruim lente, que lhe turva, ou a droga maligna, que lhe perverte, obstando-lhe a notícia da realidade, ou não lhe deixando senão adulterada, invertida e enganosa.
Já lhe não era pouco ser o órgão visual da nação. Mas a mídia, entre os povos livres, não é só o instrumento da vista, não é unicamente o aparelho do ver, a serventia de um só sentido. Participa nesses organismos coletivos, de quase todas as funções vitais. É, sobretudo, mediante a transparência que os povos respiram. Nada mais útil às nações do que a mídia na lisura de sua missão. Nada mais nefasto do que ela mesma na transposição do seu papel. Se o fiel der em ladrão, não haverá neste mundo, ladrão tão perigoso. Por que bem poucos são os que dos seus guardas e guardam. Todo o bem que se haja dito, e se disser da mídia, ainda será pouco, se a considerarmos livre, isenta e moralizada. Moralizada não transige com os abusos. Isenta, não cede às seduções. Livre, não teme os poderosos.
O fino da esperteza consistiria, principalmente, em que, contestando a mídia com a mídia, fronteando com a imprensa veraz, a imprensa professada na mentira, açulando contra a mídia incorrupta uma mídia de todas as corrupções, lograria este sistema desatinar a opinião pública, deixa-la muitas vezes indecisa entre o rasto da verdade e o da mentira, ou, muitas outras, induzi-la a tomar a pista falsa pela verdadeira. Nestas suas traças não errou o tino dos políticos brasileiros. Muitas almas de enredaram em sua certeza e não caíram. O jornalismo não perdeu todos os presídios de sua honra. Mas ainda que aqui se viu que é sempre um sem número o número de tratantes, que a ralé dos traficantes não tem conta. Ao redor do poder pulula a multidão venal, e os governos, se topam em algum obstáculo é em dar vazão ao numero de mascates da palavra escrita. Rui Barbosa escreveu uma longa palestra em que trata da mídia de sua época e os governos da chamada república velha. Estas palavras, com pequenas atualizações, foram tiradas de lá. O texto se chama A Imprensa e o Dever da Verdade, é muito atual ainda que Rui estivesse mergulhado, como sempre, na luta política de sua época. A conferência foi editada em 1920 revertendo o resultado para um conjunto de escolas de Salvador, algumas delas tão humildes, que tinham apenas cobertura de palha.